sábado, 22 de setembro de 2012

NOVA FAMILIA BRASILEIRA?


1- Como conceituar família em nossos dias, principalmente depois dos dados apresentados no último Censo?


O perfil das famílias brasileiras mudou em relação aos dados do ultimo senso. A chamada familia tradicional, modelo composto por pai, mãe e filhos, agora convive com familias cujo núcleo familiar é formado por crianças de uniões anteriores, de pessoas sozinhas, casais sem filhos e uniões constituidas por pessoas do mesmo sexo. O casamento tanto na igreja, quanto no civil, se reduziu diante das uniões consensuais, que aumentaram consideravelmente.

A redução da taxa de natalidade, mulheres tendo filhos mais tarde e o aumento da estimativa de vida, são fatores que corroboraram para este cenário de mudança.

O censo de 2010, enumerou dezenove laços de parentesco, para que fosse possível cobrir todas estas mundanças. Já o censo de 2000, listou apenas onze. Os novos lares somam 28,647 milhões, 28.737 a mais que a formação clássica.

O que podemos pensar a respeito destes dados? Há uma crescende individualização da familia, agenciada pela busca de prazer imediato e aquisição de bens. O invidualismo como crença, perpassa cada vez  mais o cotidiano das pessoas, que usam suas teses para decidir o que fazer de suas vidas. Esta nova família que se “descoletiviza”, não assume todos os credos individalistas, principalmente aqueles que se referem ao respeito as individualidades. O imaginário que povoa os lares brasileiros é tradicional, estimulam o enriquecimento, o consumo e a fama, como parâmetros de sucesso, mais do que educação, trabalho e compromisso e respeito com o publico.





2- Que valores sociais e culturais refletem a nova família brasileira retratada nos dados do último Censo?


No Brasil, se pensarmos que saimos de uma sociedade tradicional, para uma que se consolida como indivualista, deveríamos nos ater a ideia de acesso, ou seja, a democratização do consumo e dos serviços que usufruem as classes abastadas.

Se olharmos sem pensar, poderíamos acreditar que esta família multipla e mais reduzida, é nova. Porém, nela encontramos valores tradicionais que a vincula as formas de poder vigente, a hierarquia social pautada no enriquecimento, valorização pela aquisição de bens.

As inciativas culturais, apesar de terem aumentado, ainda são timidas se considerarmos o potencial de contribuição que elas tem para promover mundanças de mentalidade. No Brasil, assistimos a formação de grupos familiares distintos, porém, isto não quer dizer que dentro de cada um deles, valores tradicionais não continuem imperando. Estas novas familias, tem crescido em torno delas mesmas, e dialogam muito pouco com aquelas que tem um formato diferente do seu.

As “novas” familias, estão cada vez menos preparadas para inventar formas de coletivização, e vinculação com outras famílias, cujo modelo seja distinto do seu. As novas familias brasileiras, compraram o preceito individualista, mantendo o ranço de valores tradicionais no que tange a falta de respeito ao outro, e uma pretenção de superioridade herdada das classes altas.


3- O que podemos entender por maternidade e paternidade no século XXI?


Nos dias de hoje, a paternidade deixou de ser uma questão de fé, como se dizia nos anos 70, passando a ser valorizada e estimulada. Por sua vez, a maternidade que, anteriormente, era um exercicio que se fazia dentro do doméstico, e associado ao cuidado dos filhos, recebeu uma outra configuração, por conta da mulher ter ampliado suas demandas na vida.

Pai e mãe se encontram cada vez mais na cena publica, do trabalho, do que na domestica. Estas funções no Brasil, estão cada vez mais terceirizadas. Babas, créches, transporte escolar, ou ainda, filhos cada vez mais cedo sendo autorizados a cuidarem de si mesmo, nos mostram o quanto que há uma delegação de tarefas por parte dos pais.

Maternidade e paternidade se diluem, diante das demandas de trabalho e produção de dinheiro, ambos passaram a ter funções secundárias diante de uma “nova” familia, na qual os filhos são independentizados cada vez mais cedo, passando de modo precoce, a ter a mesma estatura dos seus pais.

A gravidez na adolescencia, o indicadores de mortes de homens jovens por causas externas, descrevem um cenário de solidão, no qual estes filhos ficam sem ter a quem recorrer, já que em suas casas, o que se manteve presente foram os eletrodomésticos.

Antes de existir um pai ou uma mãe, deve haver dois sujeitos com disponibilidade para cuidar de um outro. Sem isto, não surgirá nem pai, nem mãe, mas maquinas de reprodução em vitro, de fecundidade sem sexo, de cuidado sem vinculo, de conforto sem afeto.


4- O que os homens têm feito, diante das mudanças atuais da família,para tentar encontrar mais espaço no ambiente familiar?

No Brasil, apesar da mulher ter saido do espaço domestico, tradicionalmente ele tem sido considerado sua area de competencia e poder. Permance o tradicional, lá onde deveria existir a premissa de que o individuo é o valor, e portanto: homem e mulher deveriam ter os mesmos direitos. Nas varas de familia, as mulheres continuam sendo favorecidas em relação aos homens, caso se separem. Muitas familias acreditam que a mãe tem mais importancia que o pai, mesmo quando a criança já tenha deixado o peito.

Para que um homem não se intimide com este panorama, ele deve ter clareza de que a paternidade é uma ampliação de sua possibilidade de ser homem no mundo. Uma criança precisa de um cuidador, seja ele pai ou mãe. No Brasil, os homens não tem demonstrado interesse por uma reflexão mais séria e profunda no que tange a paternidade, bem como, nas maneiras que ela transforma a vida de cada um deles. 

Os homens brasileiros, tem uma resistencia para sair desta area de conforto em que tradicionalmente se colocaram. Segundo esta perspectiva, a mãe é aquela que sabe como cuidar, porque foi ela quem gerou o bebe. As sociedades tradicionais concedem a mulher o direito de usar a intuição, aplicando-a no cuidado dos filhos. No consultório, percebo que são muitas as razões que levam uma mulher desejar a ter filho, ser mãe nem sempre é o principal motivo.

No Brasil, os grupos de homens que tem procurado discutir a paternidade, tem usado o ponto de vista das mulheres sobre o assunto, mais do que os homens tem a dizer a respeito. Segundo estes grupos, a divisao das tarefas domesticas e a prevenção da violência contra a mulher, são temas recorrentes.


5- Em que medida o seriado Os Simpsons reflete a realidade familiar brasileira atual?

Nos dias de hoje, a midia quando se refere a mulher, o faz através da palavra: PODEROSA.  A mulher nas últimas décadas do seculo passado, vem investindo na conquista de poder.

No seriado Os Simpsons, encontramos histórias de uma familia na qual as mulheres são as polticamente corretas, sendo que pai e filho, são pessoas equivocadas. O mesmo acontece com Os Silva, da familia dinossauro. Esta representação de familia, tem no imaginário dos paises da America do Norte e Europa, um impacto maior do que no Brasil. Porém, a desvalorização dos homens aqui, passa por uma duvida que gera um estado de vigilancia em torno da masculinidade, como se a qualquer momento, um homem pudesse perder a sua, quer seja de forma financeira, sexual ou por fraqueza fisica.
Isto tem levado muitos homens jovens a lançar mão da violencia, e do sexo, como ferramentas que atestam masculinidade. Para mulher, o modelo que serviu para o empoderamento, foi o do homem, branco e heterosexual. 

Este sujeito é considerado o grande beneficiado na historia do ocidente. Por esta razão, as mulheres passaram a reivindicar paridade de direito com os homens, os gays com o hetero e as demais etinias com os brancos. Homer Simpson é branco, heterosexual e homem. É desta representação que estamos falando.

Muitos homens brasileiros podem estar identificados com Homer, mas dificilmente irão partilhar este sentimento uns com os outros, por medo de serem vistos como fracassados. No Brasil, Homer se traveste de valentão, bombado, sedutor irresistivel, esperto, malandro e todas as insígnias do estereotipo do homem tradicional. A derrota ronda cada um destes tipos, fazendo-os serem quem são.



6- Que impactos a nova configuração familiar terá sobre as novas gerações?


As novas gerações crescerão convivendo como diferentes arranjos familiares, o que favorecerá uma compreensão sobre o que seja multiplicidade e possibildade de se viver a vida. Todavia, isto só não basta, é importante que o modelo tradicional seja identificado e problematizado, mesmo dentro dos novos arranjos familiares. Nem tudo que é tradicional é ruim. Uma crítica deve ser feita, mesmo dentro das novas familias, que me parece, vem perdendo a capacidade de serem críticas em relação a elas mesmas.

Fazer parte de um novo formato de familia, não atesta que as representações tradicionais tenham sido problematizadas. É preciso ter cuidado quando se fala do que seja o novo, quando as representações sociais de homem e mulher, pai e mãe não mudaram, mesmo que a familia em questão seja formada por pessoas do mesmo sexo.

A quantidade de separações tem deixado uma impressão ruim a respeito das uniões. As relações duram cada vez menos. É um desafio ser jovem na cultura do divórcio, onde não se acredita que seja possivel formar e fazer durar um vinculo, sem comprometer a sede de prazer imediato.


7- O ditado: “quando o pai falta, o filho manca” se aplica à família do século XXI?

Em uma época de reprodução assistida, liberdade sexual e direito ao aborto, a paternidade tem deixado de ser algo de valor. Isto acontece menos pelo valor que a mesma tem para os filhos, e mais por conta de uma compreensão limitada que se tem dela, em tempos de consumo e entretenimento.

Eu escrevi uma materia para um jornal do Rio de Janeiro, sobre adoção, realizada por casais do mesmo sexo. Fui para os EUA para cobrir eventos que tratavam deste assunto. Dentre as entrevistas que fiz, uma delas me chamou atenção.

Uma mulher de 20 anos nasceu em uma familia formada por duas mulheres. De uma delas foi retirado um óvulo que depois de fecundado in-vitro, foi inseminado na outra mulher, que gerou uma filha. O sêmen foi pego em um bando de doadores. Estávamos no final dos 90. Quando conversei com esta mulher, ela me contou que suas mães haviam se separado, e que ela já não morava mais com nenhuma delas, porque estava na universidade.

Eu lhe perguntei o que estava escrito em sua certidão de nascimento, e ela me disse que aparecia o nome das duas mães. E no do pai? Ela me respondeu: no lugar do nome do pai está escrito D.I. ( donor insemination).

Creio que isto revela uma parte do que vem acontecendo com a representação paterna, nos dias de hoje.


8- Que análise pode ser feita do fato de que a maioria dos casais gays é formada por mulheres?


O imáginario atravessa todos que fazem parte de uma cultura. Não importa qual seja o tipo de classificação, que ela atribua aos individuos. No Brasil, maternidade e feminilidade estão associadas ao sujeito empirico mulher. Creio que a ideia de ser mãe, passe de algum modo pela mulher, de tal maneira que a mulher acaba desejando ter filhos, mais do ocorre nas uniões formadas por homens.

Eu estava em São Francisco, para um curso. Conheço a cidade, e sei que ela tem uma ambiencia de diversidade, no mais extenso que esta palavra possa representar, e não apenas do ponto vista sexual, como ficou associada no Brasil.

Castro é o nome do bairro onde a comunidade gay vive. O que me chamou atenção, foi o fato de que na parte do bairro onde moram os homens, era raro encontrar uma mulher. O mesmo acontecia com a parte reservada as mulheres, lá não se via homens. Bem, até ai, nada demais. Contudo, as imagens que a cultura usa para representar masculinidade e feminilidade, estavam lá. As mulheres andavam, e se vestiam em sua grande maioria como homens, e os homens, lançam mão do que havia ficado estabelecido como feminino. Quando existia alguma alusão a masculinidade, esta se referia ao mundo tradicional dos homens: cowboy, couro, militares eram vistos nas ruas e vitrines.

O que percorre o imaginário de uma cultura, atribuido a homem e mulher, continua existindo tanto em uniões do mesmo sexo, quanto de sexo diferente. Com todas as mudanças ocorridas na última década, não houve uma reinvenção do que signifique ser homem e mulher. O que encontramos é uma autorização social para que cada qual, possa experimentar o que tradicionalmente estava atribuido ao outro sexo.


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