quinta-feira, 2 de agosto de 2012

O EUNUCO LIBERTADOR


CRIME PASSIONAL
A maioria dos assassinatos violentos tem os homens no papel de agressor. As teorias sobre o crime passional, entendem que os homens são mais agressivos e violentos do que as mulheres. Se os criminologistas concordam em alguma coisa, é com o fato de que o assassinato é um fenômeno tipicamente masculino. Os homens são mais propensos a cometer assassinato, bem como, serem vítimas de homicídio. Isto é válido para todas as culturas e épocas.
Diferentes tipos de dependencia estão presentes nos crimes passionais. Há quem diga que todo homem começa uma relação dependendo de uma mulher, mas a idéia de que ela venha ser seu pior inimigo, é assustadora.
Pesquisadores afirmam que a violência é território dos homens, e que são as mulheres e as crianças as vitimas deste tipo de agressão. Alguns criminologistas dizem que quando uma mulher se torna uma assassina, o é involuntariamente. Isto se justifica pela concepção que se tem acerca do que seja uma mulher: ela é macia e vulneravel. Quem irá afirmar que existem mulheres que matam do mesmo modo que um homem?
Para muitos teóricos forenses, homens matam usando armas de fogo, e submetem a vitima a situações de violência extrema, enquanto que as mulheres matam fazendo uso de envenenamento. São raros os relatos de mulheres que usam armas de fogo. Todavia, as mulheres superam os homens quando a questão é assassinato de crianças.
Algumas mulheres são tão sangue frio quanto um homem, mas a psicopatia feminina é um assunto pouco estudado. As iniciativas feitas para compreender este tipo de disturbio, tendem a pensa-lo como ações impetradas em legitima defesa, por conta de estupros ou violencia domestica.
Mas, as mudanças ocorridas no papel social das mulheres, podem abrir uma perspectiva para compreendermos o crescente numero de mulheres que matam, usando métodos até então ditos de homem. Um exemplo disto, é o caso de Amy Bishop. Ela matou tres colegas de trabalho seguindo o protocolo estabelecido para os homens.
Depois dos anos 70, uma série de crimes violentos começaram a ser cometidos por mulheres, e não estavam relacionados ao estupro ou a violência doméstica. A busca por emancipação financeira e sucesso, aglutinavam em torno do agressor sentimentos de ciume, posse, humilhação ou a inveja, que serviam como um estopim para que um crime fosse cometido.
Nos estudos de psicologia forense, encontrarmos outros relatos de enfermeiras assassinas, que esquarteram a vitima, como no assassinato de Sandra Cantu, assassinada por Melissa Huckaby.  Na época, Sandra tinha 8 anos. Ela foi esquartejada e colocada dentro de uma mala.
Susan Wrigth, Texas, matou seu marido com 193 facadas e o enterrou no jardim,  Existem mais mulheres violentas e assassinas do que podemos imaginar. A idealização que ronda a representação da mulher, por conta da associação com a maternidade, encobre grande parte do que acontece nesta cultura.
Apesar dos estudos forenses admitirem que as razões pelas quais  levariam uma mulher a cometer um crime, sejam diferentes das dos homens, o sistema de justiça não sabe como interpreta-los além da psicopatologia. Usualmente, mulheres que cometem crimes como usualmente um homem faria, são ditas insanas.
ELIZE E MARCOS
O desfecho da historia de Marcos e Elize, problematiza a teoria do crime passional, proposta por Kenneth Polk. Ele considera a possessão como sendo um dos principais motivos pelos quais um homem cometeria este crime. Matar representa controlar o desejo da vitima.
Enquanto os homens eram considerados peversos, as mulheres foram chamadas de neuroticas. Contudo, apesar desta classificação, o crime praticado por Elize pode ser pensado como expressão da erotica do ódio, fruto de uma perversão.
A perversão está associada ao abuso materno. As marcas deixadas pela negligência materna, que podem ser reveladas em situações de extrema tensão. Nestas situações, é comum encontrarmos sentimentos de raiva, ressentimento, incompletude, vergonha e culpa. Tais sentimentos surgem para aplacar o vazio que se instala em situações de perda. Quando Elize percebe que Marcos quer se separar dela, a idéia de separação promove a perversão segundo a qual o crime foi praticado. A função deste tipo de organização psíquica, seria afastar Elize de uma depressão.
No caso de Elize e Marcos, a hostllidade e a pornografia, se articularam dando suporte a fantasia oculta de vingança, originaria de situações traumaticas vividas na infancia, e convertida no triunfo adulto materializado através do crime. Além de sofrer por conta da negligência maternal, Elize se rivaliza com ela diante do padrasto.
O que torna um desejo violento, é sua insatisfação. Elize acumulou ao longo da vida uma série de insatisfações afetivas. Além de não ter podido amar seu pai, viveu sérios conflitos com sua mãe. A impossiblidade de estabelecer vinculos por meio dos quais ela pudesse se sentir minimante atendida, gerou tensões que a lançaram em estados de vazios afetivos.
O erotismo lhe serviu como uma estratégia para sentir-se preenchida emocionalmente. Por meio dele, ela tenta e fracassa no seu intuito de se recolocar na vida. Erotizar era uma maneira de sentir-se viva. Elize usa seu corpo como um elemento através do qual pensa em se curar do desamor.
Para ela, sentir-se desejada por um homem, é a um só tempo uma experiência de encontro e abandono. O erotismo presente na prostituição, radicaliza a feminilidade que Elize não conseguiu adquirir por meio da identificação entre mãe e filha. Impedida de se identificar com ela, Elize radicaliza sua imagem de mulher, saindo de uma infância que não se constituiu, se mostrando tanto como uma fêmea ávida sexualmente, quanto como dependente dos cuidados que o dinheiro de Marcos representava para ela.
O casamento com Marcos, serviu a Elize como uma forma de “cura” para a situação que viveu na infância. Se por um lado, tornar-se esposa e mãe a reconciliariam com sua mãe, por outro, ter Marcos como pai de sua filha, lhe asseguraria o nome do pai que na infancia lhe escapou. O ódio gerado por esta situação, não pode ser elaborado, se mantendo sob a forma de angústia e temor.
A fragmentação dos vinculos afetivos com seus pais, causaram transtornos que Elize não conseguiu superar, e que possivelmente, a teriam levado matar Marcos. Ela projetou sobre Marcos todo ódio sentido pelos pais e padrasto, que foi liberado depois que ela passou a adotar o nome de seu pai biológico, bem como, de saber-se traida por Marcos. O assassinato de Marcos representa uma experiência subjetiva de reconciliação com seus pais, haja vista, que o sentimento de ter sido traída por seus pais foi dirigido para Marcos.
Ela não conseguia se pensar separada, sem mergulhar na angustia que tal situação a lançaria. A ambiguidade presente no erostismo humano, por conta da fragilidade dos vinculos com seus pais, seria vivido por Elize como uma fragmentação de si mesma. Só lhe restaria deslocar esta experiência de fragmentação para Marcos, transpondo para ele o sentimento de despedaçamento que não conseguia suportar em si mesma.
Matar Marcos, representa tirar-lhe o desejo de ir embora. Mata-lo, é destitui-lo da condição de desejante, tornando-o um eunuco que a libertaria de sua historia, e lhe traria prazer e alegria.
A feminilidade de Elize é obscura para ela, perdida entre o vazio de uma maternagem precária e a impossibilidade do amor de seu pai. O ódio está longe de ser o avesso do amor. Neste caso, nos mostra o quanto o vazio e o abandono podem ser arrazadores. Por meio de Marcos, Elize se depara com a figura de um pai que não suportaria perder novamente.
Por sua vez, Marcos escolhia mulheres para reafirmar sua masculinidade. Elas o faziam sentir-se viril. Conquistar e desistir, deste modo, Marcos se vinculava as mulheres. Pagando para estar com elas, o deixava seguro de que elas não devorariam. Elize representava a devoradora da qual ele tentou escapar.
Marcos se envolvia com mulheres que imaginava poder controlar. A diferença social e financeira, bem como, a de estilo de vida adotado por elas, colocavam estas mulheres em oposição aos valores tradicionais presentes na família de origem a qual Marcos pertencia. Dar as estas mulheres uma vida melhor, representava um tipo de salvação, resgate da condição vivida por estas mulheres. Depois de algum tempo, ele se desinteressava e se afastava delas. Elas lhe serviam para aferir valor a sua masculinidade, afastando o temor de perda de sua virilidade. Diante de uma família que se firma pelo sucesso, Marcos precisaria encontrar seu lugar diante dela. Um lugar fora da sombra do tradicional, ou do profano, através do qual ele pudesse se sentir potente e seguro.
De algum modo, o casamento entre Elize e Marcos foi construído por sentimentos de dependência e impotência, que ambos já sentiam em suas vidas. Cada qual, a seu modo, duvidava do valor que tinha para suas famílias. Negando o ódio que os aproximou, travestindo-o eroticamente, eles recriaram através do casamento, a duvida de que algum dia poderiam ser amados.
Possivelmente, para a fantasia de Elize, Marcos seria o eunuco que a levaria a ter prazer com a própria vida. Ele restituiria sua potência. Por outro lado, na fantasia de Marcos, ele poderia seduzir Medusa sem que ela o devorasse.  “Decifra-me ou te devoro”, é o desafio que cada qual traz consigo para saber do que é feito seu próprio desejo. Sem isto somos atropelados pelo que não tem nome em nós.

SN/ Rio, 10 julho 2012.

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